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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Protestantismo e Brasilidade

Reproduzo abaixo o texto do Bispo Robinson Cavalcanti, reflexão profunda e que é objeto de minhas elucubrações teológicas também. Fico triste em observar quão poucos formados em teologia tem a preocupação de se envolverem na formação de um pensamento teológico tupiniquim relevante, e como a teologia é mal tratada dentro de sua própria casa, isto é, a igreja. Tampouco exploramos a cosmovisão cristão através de crítica social tal como as artes (pinturas, música, literatura e porque não grafismo), onde estão os artistas cristãos? onde estão os estudiosos cristãos? onde estão os formadores de opinião cristãos? 
E aqui quero deixar claro que quando refiro-me a artistas não é somente os de música gospel para um público gospel, mas musica com cosmovisão cristão para um mundo não cristão, e quando falo de cristãos não é... bem vocês sabem. 
Deixo-os agora com Dom Robinson, texto extraído de www.dar.org.br , página da Igreja Anglicana. 



Protestantismo e Brasilidade – Dilema Não Resolvido

Em sua infância, no interior empobrecido da África, o teólogo evangélico Tite Tienou foi à escola primária, onde teria a sua primeira lição de História. Seu país era, então, uma colônia francesa, os livros adotados vinham todos da França, e eram os adotados pelos estudantes da metrópole. Nada de referência à história da África ou do país, mas, a primeira lição começava assim: “Os nossos ancestrais, os gauleses”. Ou seja, a conexão cultural e ideológica do colonizado não era com as suas raízes, mas com o dominador: africanos descendentes de gauleses... Os impérios não dominam principalmente pelo uso da força (“hard power”), mas pela hegemonia, pela capacidade de fazer o dominado pensar a partir da ótica do dominador, e achar que está pensando os seus pensamentos (“soft power”), ou seja, se domina pela cultura. Com o pecado original, não apenas pessoas, etnias e classes oprimem outras (“relações assimétricas”), mas nações e Estados controlam outras: Império.

No tempo de Jesus, os saduceus eram assimilados colaboracionistas do Império Romano; os fariseus seus opositores pela “via pacífica”; os zelotes pela “via armada”, enquanto os herodianos se locupletam de uma monarquia títere corrupta, e os essênios se alienavam misticamente em suas comunidades monásticas.

Uma coisa, como dado objetivo, é a presença de estrangeiros, com o Protestantismo de Imigração no Brasil, debatendo, em alemão, temas irrelevantes como “Luteranidade e Germanidade”, bem como a presença idealista e sacrificial dos pioneiros do Protestantismo de Missão, com a exportação para nós das suas culturas (“o evangelho em roupagem anglo-saxã”, segundo Samuel Escobar), não dolosa ou maldosa em sua motivação, mas fruto de condicionamentos de uma“missão civilizatória” bem intencionada.

Outra coisa é quase dois séculos depois, e após vários episódios de busca sincera e competente de elaboração de uma aculturação/inculturação/pensamento e via nacional, sofremos uma enxurrada de textos e palestrantes (a maioria jogando na terceira e quarta divisões no “campeonato teológico” dos seus países de origem) explorando um mercado consumidor promissor, fazendo a cabeça, e tornando uma realidade, também no campo religioso, o que ironicamente se denominou no campo secular da América Latina, de “complexo de vira-lata”.

Não somente se adota, de maneira acrítica, escolas de pensamentos e métodos infalíveis importados, mas se carece de um selo de qualidade, uma espécie de“ISO 2012” religioso para se legitimar ou se valorizar qualquer coisa por aqui. Até o recente e questionável título de “apóstolo” somente é reconhecido quando se porta um certificado de uma entidade credenciadora com sede nos Estados Unidos.

Gilberto Freyre, o sociólogo-antropólogo, ex-batista, costuma afirmar: “Os protestantes nos deram bons gramáticos, mas não produziram literatos”. Os protestantes brasileiros, agravados pelo fundamentalismo e pela escatologia pré-milenista, pré-tribulacionista, estão todos dedicados à economia (agricultura, indústria e serviço), ao aparelho burocrático civil e militar, ou  à área da saúde e da tecnologia, mas  quase completamente ausente dos espaços construtores da cultura nacional: folclore, artes, literatura, filosofia, pensamento social.

A latinidade ibero-católica é rejeitada como “idólatra” e os traços culturais afro-ameríndios são jogados todos na lata comum da “feitiçaria”. Uma excepcional e peculiar experiência é a representada pelas igrejas macumbo-protestantes (ditas“neopentecostais”) em seu sincretismo, enquanto traços negativos (“mundanos”) da cultura brasileira (que se deveria “salgar” pela participação) como o campo político clientelista, corporativista são adotados, com orações pela propinas e dízimos das mesmas.

Em 14 anos como Bispo, lecionei apenas uma vez, em um dos nossos Seminários, a disciplina Teologia Latinoamericana, que, creio, nunca mais foi oferecida, como também tenho a forte impressão, é uma universal ausente nas“casas de profetas” das diversas denominações pátrias.

Em um congresso nacional de estudantes universitários evangélicos (ABU) quem dirigia a oficina sobre a literatura brasileira era um casal de missionários ingleses: ela especialista em Érico Veríssimo e Jorge Amado; e ele em Euclydes da Cunha. Na plateia, a quase totalidade dos nossos estudantes jamais havia lido um romance ou um livro de poesias de um autor nacional...

A essa altura do campeonato, fica a pergunta: somos uma religião de“estrangeiros”, ou somos uma religião “estrangeira”, sem participação, sem pontes e sem influência com a cultura nacional?

Os crentes – artistas, literatos ou pensadores – que teimam em remar contra a maré, não terão audiência, nem editoras, nem respeitabilidade/credibilidade. Se, dependendo, da denominação, não forem “queimados” ou “disciplinados”.

Como o meu velho amigo Tite Tienou, entre os arbustos da “África Francesa”, aprendendo que era descendente de gauleses, nossos seminaristas, pastores e líderes, talvez possam iniciar o primeiro capítulo dos nossos livros de História recitando: “Nossos ancestrais, os Pais Peregrinos, quando chegaram no Mayflower...”.

Enquanto isso, meio quixotescamente, tenho tentado promover um Anglicanismo com face humana e morena, quando seria mais fácil sermos legitimados se apenas copiássemos as matrizes forâneas conservadoras. Talvez começando por“desordenar” as mulheres e os divorciados, ou, quem sabe, eleger como meu sucessor um estrangeiro, como é tão usual na América do Sul?...

Paripueira (AL), 08 de janeiro de 2012,
Anno Domini.

+Dom Robinson Cavalcanti, ose
Bispo Diocesano

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